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UNEB, 36 anos: Agricultura familiar e desenvolvimento regional (Ascom entrevista Danilo Gusmão – NEPPA)

Danilo Gusmão coordena o NEPPA desde sua criação em 2002

Wânia Dias

Ampliação do potencial produtivo do gado durante longos períodos de seca. Transformação de resíduos da atividade agrícola em energia limpa e de baixo custo. Aumento da produção e da qualidade do leite em pequenas propriedades. Melhoria do rebanho caprino e ovino.

Esses são alguns resultados de pesquisas e projetos de extensão desenvolvidos pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa em Produção Animal (NEPPA) da UNEB, que beneficiam milhares de agricultores familiares do Oeste da Bahia.

 Coordenado pelo professor Danilo Gusmão, desde sua implantação, em 2004, o NEPPA é vinculado ao Departamento de Ciências Humanas (DCH) do Campus IX da UNEB, em Barreiras, e, ao longo dos anos, vem expandindo suas pesquisas e costurando parcerias nacionais e internacionais, consolidando-se como um importante polo de inovação e desenvolvimento tecnológico agrícola.

 Cerca de 105 municípios baianos são beneficiados direta e indiretamente por ações do núcleo, a partir do fortalecimento de laços entre a universidade e a comunidade, sobretudo através da difusão do conhecimento científico, da valorização dos saberes populares.

Confira, a seguir, entrevista concedida pelo professor Danilo Gusmão, conhecido como o agrônomo do povo, à Assessoria de Comunicação (Ascom) da UNEB sobre pesquisa, desenvolvimento social e econômico e, principalmente, sobre o poder transformador da ciência do conhecimento que, para Gusmão, “devem ser levados para quem precisa”.

 Hoje, com 36 anos, a UNEB comemora os 15 anos de atividades do NEPPA, um núcleo que escreve, junto com todos nós, Uma história de toda a Bahia.

Assessoria de Comunicação (ASCOM): Em que contexto e com qual objetivo surge o NEPPA?

Danilo Gusmão (DG): O NEPPA surgiu, em 2002, a partir do esforço conjunto de professores e estudantes do curso de Engenharia Agronômica, ofertado no Campus de Barreiras. Em 2004, o Conselho Universitário (Consu) da UNEB chancelou a criação do núcleo, que passou a figurar entre os principais polos de pesquisa e inovação da universidade.

A produção animal era ainda incipiente e pouco rentável no oeste da Bahia, uma região que, mesmo rica em grãos, importantíssimos para alimentação do gado, não conseguia desenvolver a pecuária, a cadeia produtiva de carne e do leite. Essa realidade alimentava o êxodo rural, afinal, a falta de condições dignas de sobrevivência no campo, em termos sociais e econômicos, faz com que as pessoas migrem para as cidades.

Nesse contexto nasce o NEPPA, que percebeu na região um potencial agrário gigantesco, mas desvalorizado. Foi assim que descobrimos a nossa missão enquanto pesquisadores, produtores e multiplicadores de conhecimento: desenvolver tecnologia para melhorar a vida das pessoas, para criar oportunidades no campo.

Dia de campo: orientações sobre cultivo do sorgo forrageiro desde o plantio até a colheita.

O NEPPA desenvolve trabalhos em várias frentes relacionadas à produção animal, que perpassam o ensino, a pesquisa e a extensão. Desenvolvemos cursos e capacitações gratuitas para a população do campo, estudos nacionais e internacionais que nos permitem desenvolver tecnologia de ponta. Temos diversos projetos na área de produção e armazenamento de forragens para alimentar o gado na seca, pesquisas sobre energia renovável produzida a partir de resíduos da atividade agrícola, ações voltadas para o aumento da produção e qualidade da pecuária leiteira, melhoria do rebanho caprino-ovino e muitas outras iniciativas.

É importante destacar que o NEPPA se fortaleceu ainda mais com a criação do curso de Medicina Veterinária em nosso departamento e, dada a criação de programas que contemplam projetos de pesquisa, ensino e extensão, buscamos parcerias estratégicas para expandir suas atividades que alcançam praticamente todas as regiões do estado.

Somos, até hoje, o único centro de produção animal da região e todas as pesquisas que desenvolvemos culminam em atividades extensionistas que chegam aos pequenos produtores rurais, criando oportunidades reais de crescimento social e econômico. Quando o produtor consegue alcançar seus objetivos, além dos ganhos financeiros, existe uma mudança emocional e social. Trata-se de um processo de autovalorização do trabalho e também das competências individuais. É bonito de acompanhar, é emocionante perceber o poder transformador do conhecimento.

ASCOM: O NEPPA possui vasto estudo sobre alternativas para alimentação do gado na seca. O Projeto Esperança atua diretamente com os agricultores familiares visando atenuar os danos da estiagem. Como funciona essa iniciativa e qual  seu impacto para a qualidade de vida dos pequenos produtores e para a economia baiana?

Projeto Esperança – distribuição de mudas de amendoim forrageiro para o pequeno produtor.

DG: A Bahia é muito rica em plantas forrageiras, que são aquelas que servem de alimento para o gado, possibilitando o desenvolvimento da produção animal, importante para o nosso estado. Contudo, em períodos de estiagem tudo muda. A única certeza que temos no campo é que a seca chegará. Não sabemos se será curta ou longa, mas ela virá e o gado precisa ser bem alimentado para que a produção não seja comprometida. Na estiagem, o animal emagrece, perde força reprodutiva ou até morre por falta de comida. Esse é o principal problema do agricultor familiar, que, nesses períodos, precisa comprar comida para o animal a um custo altíssimo, o que prejudica o volume e a qualidade da produção, a comercialização e, de forma mais ampla, o desenvolvimento econômico da região.

O “Projeto Esperança: lado a lado com o produtor rural na convivência com a seca” surge nesse contexto. Começamos indo até o pequeno produtor ensinando, orientando quanto à produção e armazenagem de forragens para manter suprimentos durante a seca. Organizamos cursos, workshops, oficinas, estudos de campo. Mas, percebemos que essas ações não eram suficientes. Os agricultores aprendiam a tecnologia, iniciavam o processo, mas não seguiam adiante. Foi então que resolvemos promover uma intervenção mais direta e, além da orientação sobre o manejo e conservação das forragens, iniciamos a distribuição gratuita de mudas de plantas forrageiras para produtores e associações. Essas mudas são replantadas e doadas para a vizinhança. Assim criamos uma rede de multiplicadores e o alcance do projeto se ampliou exponencialmente. Nesse processo, a pesquisa avançou, fomos criando mudas melhoradas e mais resistentes à seca.

Esse projeto vem mudando consideravelmente a produção animal no nosso estado. Começamos em sete municípios baianos e agora já alcançamos mais de 100.

ASCOM: O setor leiteiro baiano produz anualmente 858 milhões de litros de leite e a maior parte vem de propriedades com pequena escala de produção. Como você avalia o desenvolvimento da cadeia produtiva do leite na Bahia? E qual o papel do Neppa nesse contexto?

DG: O litro de leite pago ao produtor é mais barato que uma lata de refrigerante. Um produtor de leite recebe, em média, R$ 1,20 reais por litro e o custo para produzi-lo é metade desse valor. E, se levarmos em conta que a média de produção de um pequeno produtor em nosso estado é de 40 litros por dia, a situação fica ainda mais preocupante. Para que o leite seja, de fato, uma fonte de sustento é necessário produzir muito e com qualidade. Foi nessa perspectiva que criamos, em 2015, o projeto “Nosso Leite Nossa Renda: A pecuária leiteira como ferramenta de transformação social”, cujo principal objetivo é aumentar a produção de leite e garantir o sustento de milhares de famílias que lidam com a atividade. Isso não significa necessariamente o aumento do número de animais, mas sim da produtividade do animal e da capacidade de suporte da propriedade.

O NEPPA atua em toda a cadeia produtiva do leite dando apoio e orientações aos produtores.

O NEPPA atua em toda a cadeia produtiva do leite dando apoio e orientações sobre melhoramento genético, alimentação, instalações funcionais e baratas, manejo e saúde dos animais, manejo e higiene da ordenha, na conservação do leite, e na organização da comercialização. Nosso objetivo é que o leite seja um diferencial e que ajude muitas pessoas.

O projeto começou em cinco municípios e hoje está na Bahia inteira, por meio de parcerias estratégicas com diversas entidades. Atualmente, estamos montando o laboratório do leite, o ANALEITE, no curso de Medicina Veterinária, ofertado no Campus da UNEB, em Barreiras. Com esses novos equipamentos, poderemos auxiliar ainda mais os produtores da região, principalmente no que se refere à qualidade do leite que chega à mesa do consumidor.

ASCOM: Em 2009, o NEPPA ganhou projeção internacional com o Programa Renova Bahia. Conte-nos um pouco sobre essa iniciativa e sobre a sua importância para o desenvolvimento sustentável da agricultura?

O Renova Bahia usa biodigestores para desenvolvimento sustentável da agricultura.

DG: O Renova Bahia abriu muitas portas, através dele as ações do NEPPA ganharam o mundo. Basicamente o programa usa biodigestores para desenvolvimento sustentável da agricultura, aproveitando dejetos de animais para produzir biogás e biofertilizante. Isso permite a produção de energia limpa e de baixo custo para o agricultor familiar, substituindo o gás de cozinha e a energia elétrica, a partir do aproveitamento dos recursos naturais ou subprodutos, resíduos da própria propriedade. Além disso, o uso das tecnologias de energias renováveis pode ter fins produtivos, atuando no processamento dos produtos para agregar valor. A ideia é promover economia e também possibilitar geração de renda para o agricultor familiar.

Fomos pioneiros no uso de energias renováveis na Bahia. Apresentamos essa pesquisa em vários países do mundo, especialmente da Europa. Foi um projeto premiado que, inclusive, virou livro e documentário homônimos: Biodigestor na agricultura familiar do semiárido. Essas obras, assim como todas as produções científicas do NEPPA, estão disponíveis no site www.neppa.uneb.br.

ASCOM: Em 2019, a UNEB completa 36 anos, fortalecendo a cada dia sua vocação social e inclusiva. De que forma o NEPPA ecoa esse papel social?

DG: É importante começar dizendo que sem educação, sem construção e difusão do conhecimento, nenhum desenvolvimento é possível. Se a tecnologia criada a partir das pesquisas e estudos não chegar a quem precisa, nada faz sentido. É a partir dessa premissa que o NEPPA atua, por isso, para nós, a extensão é basilar. A pesquisa produz a tecnologia, mas é a extensão que a populariza.

A maioria dos cursos de Agronomia e Veterinária se alicerça em um currículo fechado, limitado a laboratórios e salas de aula, com poucas atividades de campo que, quando acontecem, são engessadas e apenas margeiam a realidade do produtor rural. Na UNEB, especificamente no Campus de Barreiras, a nossa proposta de ensino é diferente. Entendemos que não há como falar do produtor, sem o produtor. Não há como falar do campo, sem vivência no campo. O percurso formativo do estudante perpassa sim o laboratório, a sala de aula, mas valorizamos muito a efetividade do conhecimento que é transmitido, e, principalmente, o conhecimento que emerge do próprio campo, do povo, da lida diária com o que estudamos. Esse saber é muito precioso para a formação do estudante.

O NEPPA realiza diversos cursos sobre manejo de pastagens e alimentação do gado na seca.

O NEPPA possui um projeto muito bonito, que está alinhado com a missão social da universidade, chama-se Educampo. É um projeto piloto de inserção de conteúdo agrícola e ambiental em escolas de educação básica, na zona rural. Cerca de 90% dos alunos ajudam a família na atividade agrícola. Esses jovens possuem uma grande experiência prática, mas, em geral, desconhecem os aspectos técnicos. A ideia do Educampo é, além de unir teoria e prática, criar uma mão dupla de construção do conhecimento. Os estudantes de Engenharia Agronômica vão até as escolas ensinar técnicas de plantio de hortas, de produção de mudas frutíferas, melhorias nas técnicas de criação. Em contrapartida, aprendem muito com a experiência prática dos estudantes da educação básica, já familiarizados com a rotina do campo.

O projeto está parado há algum tempo por falta de recursos para a sua manutenção, mas continuamos em busca de investimentos e parcerias para torná-lo ativo novamente. Trata-se de uma iniciativa linda, com inúmeros benefícios para todos, além de oportunizar o resgate do orgulho de ser agricultor, a partir da valorização do trabalho e do profissional do campo. Esse é, sem dúvidas, o projeto que mais me deu satisfação pessoal.

ASCOM: Que balanço você faz das ações do NEPPA nesses 15 anos de atividades e quais os planos para o futuro?

DG: A pesquisa engajada e participativa desenvolvida lado a lado com o povo do campo e demais parceiros estratégicos nos permitiu, ao longo desses 15 anos, assistir diretamente mais de cinco mil famílias de agricultores. Indiretamente esse número é muito maior. A estimativa é que a capilaridade de nossas ações chegue a mais de 50 mil famílias. São números expressivos, que nos enchem de orgulho, nos motivam.

O trabalho da UNEB, através do NEPPA, é reconhecido e respeitado porque é desenvolvido de forma dedicada, imersiva e acolhedora. Todas as nossas ações são orientadas pela busca por transformações que oportunizem melhores condições de vida para o povo do campo. Esse é, inclusive, um pilar importante da formação dos nossos estudantes. Diversos egressos do curso de Engenharia Agronômica já são mestres e doutores e, hoje, integram o quadro docente da própria UNEB, replicando esse formato de ensino humanístico.

Para o futuro, nosso foco é a internacionalização. Já firmamos algumas parcerias com instituições estrangeiras, a partir do projeto de bioenergia. Graças a ele temos parceiros na Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido, e novos convites continuam chegando. Agora pretendemos ampliar a ação internacional no campo da produção animal também. Assim, o NEPPA segue fortalecendo o que já construímos, mas com o olhar sempre adiante.

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Fotos: Arquivo NEPPA.